Volta e meia a discussão sobre a verdadeira aparência de Jesus volta à pauta. Por vezes vem do meio acadêmico, outras por algum artista como o caso recente de Bas Uterwijk. Acho interessantes tais pesquisas pra quebrar determinados preconceitos que podemos ter em nosso imaginário a respeito de Cristo. Considero essas tentativas válidas, portanto. E concordo que um judeu do primeiro século seria muito mais parecido com um semita (incluindo aí árabes) do que um europeu de qualquer época.
Até aí tudo bem. Agora, achar que Jesus foi retratado como um loiro de olhos azuis porque os europeus estavam manipulando e impondo sua própria imagem sobre o restante do mundo é desconhecer completamente a imagética cristã ao longo de dois mil anos. Os europeus representaram Cristo de inúmeras maneiras, nunca preocupados com sua provável aparência, mas conforme intenções teológicas. Ele poderia ser pintado como Júpiter para expressar o governo universal, como Hermes para ressaltar o cuidado com seu povo ou na figura do sábio filósofo ensinando seus discípulos. Eventualmente ele teve o caráter divino ressaltado na transcendência de uma passividade distante, ou o caráter humano na imanência do sofrimento do crucificado. Ou ambos no mesmo Pantocrator.
Além disso, os europeus o representaram com a própria aparência. Sim: castanho, loiro ou ruivo. Outras culturas também pintaram Cristo de acordo com os seus próprios cânones artísticos, com a etnicidade de seus próprios rostos. Um Cristo negro no Peru, um oriental na India, um latino no México. A arte cristã jamais pretendeu representar o Cristo como ele era fisicamente, mas o que ele significava, na experiência de fé e de culto, para quem o adorava. A questão é simples, mas profundamente teológica: Cristo é “pro me”, para mim, identificado comigo na minha temporalidade e historicidade. O “verdadeiro” Cristo não é necessariamente um rosto específico, mas aquele que se identifica comigo na minha humanidade, como tanto nos ressalta o autor de Hebreus. Tem a ver com a espiritualidade viva e em constante renovação, não com uma historiografia positivista que já foi enterrada mas continua esperneando no túmulo.